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segunda-feira, 28 de outubro de 2013

CARTA AOS MORTOS

Senhores, 

Permanecei-vos sentados em vosso teatro de sombras a cultuar o bom e o belo que se apresenta aos vossos olhos! Quanto a estes, deveis mantê-los bem abertos afim e que não deixem escapar o menor detalhe da cena que vos é apresentada. Já os ouvidos é melhor que os tapem para que não vos despertem de vosso sono profundo. Atentem-vos para que acaso algum sonho zombeteiro venha vos trazer para fora de vossa cômoda poltrona: reprima-o de pronto! Os sonhos transmitem a moléstia a liberdade, pois no universo onírico podeis ir donte quiserdes e fazer o que bem entenderdes. Deves manterem-se passíveis e imoveis somente a receberdes o que o mundo tem a vos oferecer de melhor: a ilusão de que vivemos em um planeta cor-de-rosa rodeado por flores e cristais. 




Quanto à essência, essa dona profana, cuspais-vos a cara e virai-vos as costas! Em vosso teatro mágico não há espaço para sentimentos e humanismos toscos.

Mascaremos o real, pois sua face é crua demais e ofensiva à vossos olhos encabrestados e a vossa visão turva! A miséria e a fome são apenas presságios e a guerra é um mal necessário. Vejais como em período de guerras se prosperam as ciências! 

Ao final, aplaudam intactos com sua face putrefactas ao assistiremo massacre de vosso próprio ser. 

A MORTE DO POETA MALDITO

A morte está anunciada e ressoa nas paredes sujas de um bar. No Junkbox uma música de Bob Dylan. Ele abre os braços e diz: "Tem uma bala da agulha, baby, e ela é pra mim!"
Os versos saem de sua voz rouca gutural: maltratam os que vivem à noite e cospe os que vivem ao dia. 
"Il existe une balle dans l'aiguille", repetia ele ao elegante filho da puta e sua amante entre um copo e outro de wisk.
O mundo era pequeno demais para ele ou ele era tão grande que o mundo não suportava.
Ela vê o poeta em uma poça de sangue e grita: "Meu Deus! Ele fez". 
Ela chora. 
Ele ri: "Relaxa, baby! Era o que eu queria". 
As pessoas se escondem por detrás de sorrisos rotos e cansados. Se perdem em meio a multidão de olhos que serpenteiam ao acaso. 
Um riso frouxo e um abraço. 
Ninguém nunca saberá o motivo dessa dor. 

O MEDO



O medo é o início da incerteza, do descontrole;

A proximidade da morte e o início da vida;

É o descanso da lida,

A preparação para a luta,

A possibilidade da fuga,

O descaso da culpa,

O acaso da ferida.

O medo é o início da partida,

A possibilidade da batida,

A proximidade da chegada:

É o encontro;

É a libido;

É o gozo;

É o abismo;

É o nada.

É a certeza da morte.

É o princípio da vida.

É noradrenalina brincando nas fendas sinápticas.



Alessandra Cavagna





domingo, 27 de outubro de 2013

LUZIMENTO




Espasmos deslumbrantes
de luzes que cintilam no horizonte
onde fogos de artifícios
misturam-se à ribalta.

Sirenes estridentes
e buzinas dilacerantes
entrecortam o silêncio
desta noite chuvosa.
Garoa fina,
como de tantas noites.

Passos rápidos, muito rápidos,
de pedestres que vão vem e voltam
para lá e cá e além.

Gritos, gargalhadas e sussurros
choros, teses, debates
bate-papos num boteco do Bixiga.

Esta cidade cinza
salpicada de verde e vermelho...

És mãe amorosa
de braços longos
recebendo filhos de tuas entranhas e outras.

És carrasca
a arrebatar frágeis
a sufocar humildes
com ostentações e misérias

És puta fogosa
parindo incessantemente
e vomitando seus ovários
sobre sua prole.

Mas acima de tudo és bela.
Como és bela!
com tuas luzes cintilando no horizonte
onde fogos de artifícios
misturam-se à ribalta.