O livro editado em 2005 pela
Companhia das Letra, SP, é tão intermitente quanto a própria morte que nele se
apresenta. Não que todas as mortes sejam intermitentes, mas essa em particular
não é nada constante. Um país que não se sabe em que continente e nem o nome,
um tempo que por suposição sabe-se contemporâneo pelas facilidades tecnológicas,
nem tão avançadas quantos as atuais, porém se reconhece um certo
desenvolvimento característico de uma sociedade capitalista.
A história começa com a seguinte
frase: No dia seguinte ninguém morreu. Então aquela população que até então só
tinha como única certeza real e impreterível da morte, acorda pela manhã com a
certeza inversa que ninguém mais morrerá.
Porém, algo que deveria fator de comemorações e gozo, passa a ser causa
dos maiores entraves nunca dantes visto naquelas bandas. Daí em diante, paginas e paginas de uma crítica social muito
bem construída recheada de escárnios. Como uma sociedade capitalista que tem
como base a especulação de capital para obtenção de poder, não deixando escapar
nem mesmo as agruras dessa tão temida senhora, fará para não deixar lhe escapar
os filões d’antes embolsados com o fim de Thanatos? Como uma sociedade que tem
em sua religiosidade a função de mantenedora dos moldes e padrões e tendo na
morte fator preponderante de achacamento dos fieis através do pecado e promessa
de um paraíso após o desenlace carnal poderá se sustentar? Como esta mesma
sociedade se livrará de milhões e milhões de moribundos, verdadeiros mortos-vivos
que se formam em legiões, já que o fato de ninguém morrer não quer dizer que as
pessoas deixam se convalescer?
O Já o segundo momento é mais
denso, existencialista e filosófico, sendo necessário uma atenção e um cuidado
maior, porque é onde a trama se estabelece e segue seu fluxo. O final é obvio,
e o próprio Saramago assume essa postura, ao afirmar que sim, acontecerá o que
todos esperam, porém...e aí está: da mesma forma que o segredo do quadro não é
a obviedade do tema e sim as maneira como o artista o representa, assim se dá
também com a literatura. Nesse ponto Saragamago grandiosamente preenche seu
quadro com pinceladas generosas de poesia e beleza, provando mais uma vez sua
genialidade.
É um romance que nos faz pensar
sobre a seriedade demasiada com que encaramos vida, a necessidade de controle sobre
tudo o que nos cerca e com isso
deixamo-la passa, e que até mesmo a morte (com m minúsculo que assim ela se
identifica) tem o direito de viver e amar.