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quinta-feira, 19 de abril de 2012

Dica Cultural

Exposição homenageia Elis Regina no Centro Cultural São Paulo


Ontem fui à exposição da Elis Regina no CCSP. Está muito bonita, com muitas informações, biografia, entrevistas, pensamentos, discografia completa que você pode ouvir à vontade, os figurinos que ela usou durante o espetáculo "Falso Brilhante", muitas fotos e uma instalação de vídeo que me deixou muito emocionada. 
Vale à pena conferir. 



Como a elite articulou 1964



O complexo Ipes/Ibad foi o verdadeiro partido da burguesia, segundo René Dreifuss em A conquista do Estado

OSCAR PILAGALLO

A interpretação de que a derrubada do presidente João Goulart em 1964 resultou não apenas de um golpe militar deve-se em grande parte ao trabalho de um cientista político uruguaio: René Dreifuss. Em 1981, quando o ciclo militar aproximava-se do fim, o autor publicou 1964 - A conquista do Estado, em que expôs a minuciosa pesquisa documental que demonstrou a participação da sociedade civil na ação dos militares.

Até a divulgação do trabalho de Dreifuss não se tinha a dimensão exata da articulação dos civis. Sabia-se que o afastamento de Jango, um presidente considerado fraco e refém dos sindicalistas de esquerda, ia ao encontro dos interesses do grande capital. Sabia-se também que as manifestações públicas da classe média nos últimos dias do governo civil haviam dado o empurrão final no presidente. O papel dos civis, no entanto, foi muito mais importante.

Dreifuss mostrou a atuação de grande parte do empresariado brasileiro e de representantes de multinacionais reunidos no Ipes (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), fundado no final de 1961. “O Ipes não era com certeza, como freqüentemente é descrito, um movimento amador de empresários com inclinações românticas ou um mero disseminador de limitada propaganda anticomunista; era, ao contrário, um grupo de ação sofisticado, bem equipado e preparado; era o núcleo de uma elite orgânica empresarial de grande visão, uma força-tarefa estrategicamente informada, agindo como vanguarda das classes dominantes”, na definição de Dreifuss.

Mais focado em estratégias, o Ipes tinha um fundamental braço de apoio no Ibad (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), que agia como unidade tática, respondendo por atividades secretas. Os dois se complementavam. “No curso de sua oposição às estruturas populistas, ao Executivo nacional-reformista e às forças sociais populares, o complexo Ipes/Ibad se tornava o verdadeiro partido da burguesia e seu estado-maior para a ação ideológica, política e popular.”

Intelectual de esquerda, René Dreifuss (1945-2003) deixou vários estudos sobre a relação entre forças armadas e sociedade civil na América Latina. 1964 - A conquista do Estado é sua grande contribuição à historiografia brasileira. O trabalho de pesquisa foi tão extensivo que, na época de sua publicação, quando se transformou em best seller das ciências políticas, o autor chegou a ser criticado por expor intelectuais e empresários que teriam tido envolvimento marginal com os institutos.

O livro, no entanto, resistiu ao tempo, como se pode verificar em sua reedição pela Editora Vozes. Pela grande quantidade de nomes citados, a obra ganharia em utilidade se tivesse um índice remissivo. Sem contar com esse instrumento de consulta, o leitor é obrigado a enfrentar as quase 900 páginas e cruzar, ele próprio, as referências. É pena que a editora não tenha aproveitado a repaginação, que facilitou a leitura, para oferecer também esse serviço. De qualquer maneira, os historiadores agradecem por não terem mais que garimpar o livro em sebos.

OSCAR PILAGALLO é editor de História Viva e da revista EntreLivros e autor de A história do Brasil no século 20 (em cinco volumes, pela Publifolha). Publicado Originalmente na Folha de S. Paulo



O Circo Imundo de Horrores

por José Arbex Jr.

Bombas de fósforo branco israelenses queimam palestinos em Gaza; balas perdidas executam crianças no Rio; guerras civis assassinam dezenas de milhares de seres humanos em Darfur. Em todo o planeta, desigualdades sociais produzem o inimaginável: 1 bilhão de seres humanos vive abaixo do nível de miséria, vítima da fome, da subnutrição e das epidemias que se alastram sem encontrar resistência nos corpos ressecados e combalidos.

Mais de 30 mil crianças morrem por dia, em todo o mundo, como resultado de doenças associadas à subnutrição, segundo estatísticas divulgadas pela ONU. Isso equivale, diariamente, a dez vezes o número total de vítimas do atentado contra o World Trade Center, considerado pela mídia "o maior atentado terrorista da história". Cerca de 38 milhões de refugiados de guerra abarrotam os campos miseráveis da ONU, à espera diária de uma dose mínima de alimentos e remédios, mas destituídos de esperança no futuro. Vegetam, apenas. O novo dado sinistro: os refugiados agora são também produzidos por crescentes desastres ambientais, que ameaçam expulsar milhões de seus locais de origem.

Enquanto isso, um único banqueiro espertalhão dá um golpe de 50 bilhões de dólares em Nova York; restaurantes em São Paulo cobram milhares de reais por uma garrafa de vinho; as diárias de hotéis em Dubai, novo paraíso dos "ricos e famosos", superam os 20 mil dólares; um jovem jogador de futebol que, até ontem, brincava com os amigos nas praias de Santos paga agora, só de multa, a soma de 1 milhão de dólares, valor considerado normal no circuito bilionário do futebol europeu. Ah, sim, e os astros de Hollywood ganham 20 milhões de dólares para participar da dose cotidiana da indústria da hipnose que torna a vida mais suportável. E nunca se gastou tanto em armas, drogas e entretenimento - das megaproduções cinematográficas às copas e olimpíadas mundiais.

(Por vezes, o delírio dos atores de Hollywood atinge tal proporção que eles passam a assumir na "vida real" o papel que lhes é reservado na tela. Logo após o ataque dos Estados Unidos ao Iraque, em 2003, o brutalhão Bruce Willys, especializado em interpretar héroi de filmes de guerra, chegou a oferecer 1 milhão de dólares a quem oferecesse pistas sobre o paradeiro de Saddam Hussein. Pobre idiota!)

A opulência do mundo espetacular é a contrapartida necessária à miséria do mundo "normal", das pessoas comuns e anônimas que jamais alcançarão seus quinze minutos de fama. É necessário circo, muito circo, mesmo quando não há pão. É o circo que embrutece, hipnotiza, atiça o desejo, mobiliza a libido, prepara o animal para a guerra, naturaliza o absurdo. É normal que a herdeira Paris Hilton gaste milhões em festas, viagens e orgias na companhia de amigas como Britney Spears, tanto quanto é desejável participar desse mundo frenético de brilhos e festas. É razoável que modelos ganhem milhões para exibir o corpo em passarelas. E, por que não, é justo que um piloto ganhe fábulas para cometer a proeza de andar cada vez mais rapidamente para chegar ao mesmo lugar de onde saiu. Resta ao comum dos mortais consumir as fofocas divulgadas por programas e revistas especializadas, projetando em seus ídolos os desejos que não pode realizar aqui fora, no monótono e ridículo mundinho real.

No mundo do circo, o palco colorido e devidamente iluminado - não importa se é o estúdio televisivo ou a página impecavelmente diagramada de um jornal -, com tudo arrumado e colocado em seus devidos lugares, eliminados o caos e a desordem do mundo real, é possível ao apresentador , ao artista, à personalidade, ao especialista proclamar aproximadamente qualquer absurdo, que tudo passa no ritmo frenético do videoclipe: das "armas cirúrgicas que não matam seres humanos" ao "vale tudo por dinheiro", dos "terroristas palestinos" cujo crime é lutar em defesa de sua própria terra ao "tapinha que não dói", das festas suntuosas às favelas miseráveis tudo é mostrado em seqüências planas, "naturais", como se a vida fosse isso mesmo: um amontoado sucessivo de cenas cujo sentido é dado pelos ícones midiáticos que tudo explicam e nos acalmam.

Os ícones do novo mundo circense midiático ocupam os lugares que antigamente eram propriedade dos deuses do Olimpo. São eles que explicam o mundo, iluminam o que merece aparecer, jogam à obscuridade o dejeto, o lixo, o resto. A cantora Madonna tinha consciência disso quando, ao declarar publicamente o seu desejo pelo então relativamente desconhecido ator espanhol Antônio Banderas, afirmou que, apenas com essa declaração, havia dado a ele um presente que valia milhões de dólares. De fato, ungido pelo olhar da multimilionária máquina Madonna, Banderas foi rapidamente "capturado" pelo Olimpo Hollywood e hoje faz parte da engrenagem. Atrás do sonho, um garoto de 14 anos sai clandestinamente de seu país, na África, passa três dias sem comer nem beber nos porões de um navio animado pelo sonho de chegar ao Brasil e virar estrela de futebol.

Barack Obama é o mais novo pop star. Seu sorriso, a ginga de seu corpo e a sua história de vida enchem de confiança os miseráveis dos Estados Unidos, dos vários continentes e até alguns palestinos em Gaza. Mas há um limite para tudo isso. As engrenagens da barbárie continuam em ação, e o mundo se encaminha para um esgotamento. O circo pode adiar a explosão, mas não resolve a crise. É impossível saber quando se dará o ponto de basta, isto é, o momento em que o processo de desagregação da humanidade atingirá o seu ponto de ruptura. Mas ele acontecerá, inevitavelmente. Não é infinita a quantidade de horror que a humanidade pode suportar.

José Arbex Jr. é jornalista.

Fonte: Edição impressa da Caros Amigos - número 144 - março de 2009
Retirado do site www.viomundo.com.br