Nesse dia 8 de março, quem o ano inteiro nos oprime e nos
violenta quer nos presentear e nos dar flores.
Querem nos desejar parabéns e nos endeusar. Agradecem por sermos boas mães, como se nossa
função no mundo fosse somente procriar, e como se tivéssemos a obrigação de
colocar filho no mundo. O sistema aproveita o dia pra vender calcinhas,
perfumes, roupas e joias para cobrir-nos. Tentando deformar a verdadeira
importância dessa data. Impõe-nos como temos que nos vestir e nos comportar,
pra quem devemos direcionar nossos desejos e nossos relacionamentos, tentando
nos impor casamento e filhos, como se isso fosse a única coisa que pudesse nos
realizar.
Mas todo dia é dia de lembrar nossa luta! De lembrar nossas companheiras que lutaram e das que caíram. Dia de lembrar das nossas
conquistas e das nossas reivindicações. Todo dia é dia de lutar contra o
patriarcado e contra o machismo, de dizer não às injustiças sociais e ao
capitalismo, de lutar por um mundo mais humano e igualitário. Todo dia é dia de
acordar cedo e pegar no batente; de acordar tarde e ficar com preguiça, de não
ir trabalhar pq ta com TPM, de brigar com o companheiro ou a companheira pra
ajudar nas tarefas domésticas, de lutar por equiparação salarial. Todo dia é
dia de cuidar do filho querido, de gerar o filho desejado, de abortar se isso
for preciso. Todo dia é dia de ficar bonita,
perfumada e sair pra balada; ou nem tirar o pijama e ficar na cama o dia
inteiro; de sair de cara lavada ou de se maquiar; de deixar o cabelo crescer ou
de deixar curtinho; de se depilar ou de deixar crescer os pelos; de vestir
calça comprida ou mini-saia. Todo dia é dia de dizer NÃO, quando não quer; de dizer
sim quando se deseja. De amar sem medida quando existe troca e desejo; mandar embora quando não há respeito; de não se deixar apanhar e resistir à
violência. Todo dia é dia de decidir pelo próprio corpo e pela própria vida.
Todo dia é dia de lutar.
Então, me lembro das minhas filhas, filhas que decidi e
escolhi ter, porque se não quisesse não as teria. Então, quando decidi por
tê-las, às desejei comigo, carreguei-as em meu ventre, cada qual por 9 meses. Senti
seus movimentos em minha barriga e as dores dos nascimentos. Amamentei-as,
cantei para elas dormirem, cada uma teve uma música diferente, acompanhei seus
primeiros passos e suas primeiras palavras. Fui a melhor mãe que pude ser o
tempo o que pude. Mas havia outras coisas: precisa lutar pela minha libertação,
pela minha autonomia e emancipação. Trilhei caminhos tão difíceis e tortuosos
que foi melhor que elas não tivessem comigo para não sofrerem também. Hoje são
três mulheres que estão, cada uma a seu modo lutando por seus direitos e seu
espaço no mundo. E elas são um pouco de mim e eu sou um pouco delas. E que
sejam assim sempre, e que assim ensinem suas filhas e suas netas, e que
propaguem essa luta as nossas próximas gerações. E assim vamos nos libertando
das amarras, a cada dia, a cada ano, a cada geração.