Quando criança brincava com o vento.
Queria domar o vento,
Pegar o vento,
Sentir o vento,
Ver o vento.
Brincava com a terra,
Queria explorar a Terra,
Cavar uma cova bem funda pra chegar à China.
Minha curiosidade sempre foi meu maior atributo e minha
maior desgraça.
Hoje adulta
que sou, quero entender a mente, a sociedade, a arte, a cultura.
Mas o pouco tempo que me resta só é pra organizar as coisas
ao me redor.
Eu, mulher, sem deixar a criança que há em mim, não em meu
ventre, mas em minha essência, morrer,
Quando eu, trabalhadora, secando gelo nessa coisa
capitalista que chamam de Saúde Mental,
Quando eu, artista, quebrando pedra nessa coisa insalubre
que chamam de economia sustentável,
Quando eu, ser espiritual nessa coisa dogmática chamada
religião,
Quando eu, mãe, filha e irmã, nessa coisa nevrálgica chamada
família
Quando eu ser e humana, terei direito ao meu ócio criativo para voltar a domar o vento, explorar a Terra e chegar à China?
Alessandra Cavagna
São Paulo, 25 de janeiro de 2021