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domingo, 7 de março de 2021

Canção da flor violentada

 


(à todas as mulheres da Vila Brasilândia com quem convivo, cuido e luto) 

Não, eu não quero flor.

Já disse que não quero flor!

Quero dignidade, respeito, equidade!

Que adianta trazer flor depois de me fazer tanta maldade?

Depois que me oprimiu, me bateu, me agrediu,

Interrompeu a minha fala...

Enquanto tua boca berra, a minha boca cala?

 

Eu sou a burra, a louca, a puta, a outra,

Sou aquela que tu cospe e depois beija a boca

Sabe o que tu faz?

Pega a tua flor e dá pro puto que te pariu!

 

- Solta esse cabelo!  A saia ta curta!

- Parece uma biscate! Vão achar que tu é puta!

- Depois te estupram, aí vem com mimimi!   

- A culpa é tua! Senta aqui ne mim!  

- Pra que esse batom vermelho?

- Para com essa latomia! Deixa eu chupar teu grelo!

 

De onde tu tirou que eu sou mercadoria?

Não sou coisa, não sou tampa, nem panela vazia.  

Não sou a metade da tua laranja.

Não preciso de ti pra me completar.   

Sou completa, sou inteira.  

Só quero ao meu lado quem puder me transbordar!

 

Agora tu vem me dando parabéns?

Não é meu aniversário, não ganhei na loteria.

Ai me traz essa flor, vem e me acaricia.  

Ainda não tô morta, apesar da tua valentia!

 

Vem cá, diz pra mim!

Tu tem certeza que eu sou assim:  

Indefesa, frágil, submissa?  

Tu te cuida, macho! Se liga! 

Vou te mostrar o que é ser de briga:

A cada dor que eu sinto...

A cada parto,

A cada contração,

A cada noite sem dormir,

A cada pontapé,

A cada xingo,

A cada puxão de cabelo,

A cada sexo sem desejo,

A cada desejo sem sexo,

A cada exploração do meu corpo,

A cada exploração da minha carne,

A cada choro engolido,

A cada grito contido,

A cada ruga que nasce,

A cada veia que explode,

Eu me reconheço e me refaço.

Com outras dores criei lastro.

Me fortaleço na luta dos oprimidos,  

Dos trabalhadores, dos negros, das mães,

Dos gays, dos loucos, das trans,

Dos bêbados e desvalidos.

Já não sou só uma, sou um milhão,

Lutando pelo direito de estar viva nesse chão.

 

Me dou o direito de gritar e lutar, viu!

Contra todo um sistema que estrutura a perversão.

Tu é preto e não sabe disso, não?

Então, bota a cabeça no travesseiro e pensa:  

Com quem neste mundo fica todo o seu dinheiro?

Comigo é que não é, eu tenho o meu quinhão.

É com o banqueiro e com aquele lá, o teu patrão.

É com o dono do boteco, com o traficante, com o pastor da Igreja.     

De que adianta ser tão bom numa peleja,   

Se tu não sabe quem é teu inimigo?

Ora, ora, veja! Não é meu só o castigo!   

Então, tira tua mão do sangue e desata esse grilhão!

Não te fica bem esse papel de feitor e nem de capitão.  

 

Mas, tira daqui essa flor! Em mim tu não bate mais, não!

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